O Gesto que revela

Ela tirou os óculos com a precisão de quem sabe o efeito que causa. Não havia pressa, nem qualquer afetação. Apenas uma naturalidade lapidada com o tempo, como uma dança que se dança sem nunca parecer ensaiada. Seus dedos, longos, delicados, deslizaram pelas hastes com uma leveza que fez o mundo ao redor diminuir o volume. Havia algo em seu olhar, ainda meio velado atrás das lentes, que prometia histórias mais profundas do que o trivial.

E então, com um movimento quase ritual, ela lentamente os retirou.

Foi como assistir o instante exato em que o dia se torna noite: não se sabe quando acontece, mas é impossível não perceber.  Aquele olhar nu, desprotegido, direto, me atravessou como uma suave luz. Dessas que acendem e iluminam tudo por dentro.

Não era só beleza — embora ela fosse linda, sim. Era o magnetismo de quem sabe onde pousar os olhos, que conhece a linguagem dos silêncios, para o que importa possa ser revelado. A sensualidade dela não vinha do que mostrava, mas do mistério que ela fingia esconder, como um perfume raro solto no ar.

Eu, que já vi muitos gestos se perderem na pressa, fiquei ali parado. Calmo, pleno, apreciando aquele instigante gesto.

Ela tirou os óculos…
E sem dizer nada, apagou a luz do abajur.

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